quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O Livro ou o Filme? (#1) "A Culpa é das Estrelas" John Green

Inicio hoje uma nova rubrica onde analiso em paralelo um livro que eu li com a sua respectiva adaptação em filme.


Título: A Culpa é das Estrelas 
Autor: John Green
Editora: ASA


Realização: Josh Boone
Argumento: Scott Neustadter e Michael H. Weber
Elenco: Shailene Woodley, Ansel Elgort, Laura Dern, Willem DeFoe

Já me aconteceu tanto os casos de ler o livro e depois ver o filme, como casos onde ocorreu o inverso e depois houve a situação em que fui ver o primeiro filme da série "Crepúsculo" enquanto estava a meio da leitura do respectivo livro. No caso de "A Culpa É As Estrelas", calhou ver o filme primeiro apesar de já há algum tempo quisesse ler o livro. 

A história: Hazel Lancaster é uma jovem que passou grande parte da sua vida como doente oncológica. Numa reunião de um grupo de apoio a jovens doentes com cancro, ela conhece Augustus Waters, um rapaz que perdeu uma perna devido a um cancro de ossos. O optimismo e energia de Augustus contrastam com a soturnidade de Hazel, que apesar de reagir muito bem a uns tratamentos experimentais para a sua doença, sente que tal não fazem do que prolongar apenas por mais algum tempo uma vida que está inevitavelmente destinada a ser curta. Mutuamente fascinados pelas suas personalidades, Hazel e Gus tornam-se amigos e compartilham os seus interesses. Hazel acaba também por travar amizade com Isaac, o melhor amigo de Gus que devido a uma doença ocular, está prestes a ficar cego. Quando os dois viajam com a mãe de Hazel até Amesterdão para conhecer Peter Van Houten, o autor do livro preferido de Hazel, os dois jovens dão largas à paixão, compensando pela desilusão do encontro com Van Houten. Mas uma trágica revelação de Augustus muda toda o rumo da relação entre ambos.

No cômputo geral gostei imenso tanto do filme como do livro. Eu receava que, como já sabia que a adaptação do filme era bastante fiel ao livro, que o livro não acrescentaria nada de novo, mas felizmente o livro teve detalhes e nuances mais que suficientes para não sentir que era uma copy/paste em papel do livro. Inclusivamente consegui imaginar a Hazel e o Gus com outros rostos que não os de Shailene Woodley e Ansel Elgort. 
A principal diferença é que a família do Gus participa significativamente mais na acção do livro do que no filme, inclusivamente no filme é dada a ideia que ele é filho único, e no livro ele tem duas irmãs mais velhas. No livro, Peter Van Houten é descrito como gordo, mas acho que o Van Houten do filme (interpretado por Willem Defoe, que nunca foi gordo) fisicamente encaixa melhor na essência da personagem. No filme, é muito mais fácil simpatizar com o Gus e até mesmo com Isaac do que com Hazel, embora também seja fácil perceber as atitudes menos simpáticas dela. No livro, narrado pelo ponto de vista de Hazel, compreende-se ainda melhor porque é que ela é assim. 
Os desempenhos do elenco estão bem conseguidos e também são bastante fiéis ao livro. Gostei do facto de que no filme, o actor que faz de pai da Hazel tenha dado um pouco mais de vulnerabilidade à sua personagem. 
Outra coisa que adorei no filme foram as cenas de Amesterdão, que me fizeram viajar no tempo até 2009, quando visitei a cidade. Mesmo com um tempo merdoso, adorei conhecer Amesterdão e achei a cidade bastante fascinante. Tal como as personagens do livro, eu também visitei a casa da Anne Frank e não há como não sentir as emoções à flor da pele.
Eu não sou de chorar com livros e filmes, mas consigo perceber claramente porque é que tanta gente chorou tanto no livro como no filme. Porém, no meio de tanta tragédia, o humor está sempre presente e os diálogos são inteligentes e inspiradores.

Não sei dizer se gostei mais do filme do que do livro, pelo que tenho declarar um empate no meu primeiro veredicto desta minha nova rubrica no blogue.         



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"Trilogia de Ardamore" Nora Roberts


Títulos: "As Jóias do Sol", "As Lágrimas da Lua", "O Coração do Mar"
Autora: Nora Roberts
Editora: Saída de Emergência

Nora Roberts é uma das autoras que eu mais li, sobretudo por ser uma escritora extremamente prolífica e porque durante alguns anos (mais ou menos entre 2007 e 2010), estive tão viciado na sua obra que só queria era ler mais e mais livros seus.
Além de vários títulos isolados, Nora Roberts também tem diversas séries de livros, sobretudo trilogias foi com esta trilogia que eu me iniciei. Ao contrário de muita gente, eu não faço nenhuma questão em ler trilogias por ordem, e comecei pelo segundo, "As Lágrimas da Lua" cuja sinopse foi a que mais me atraiu.

Esta trilogia é a Trilogia de Ardamore, também conhecida como Trilogia Irlandesa. Foi editada nos Estados Unidos entre 2000 e 2001 e publicada pela Saída de Emergência em 2006, se não estou em erro. Passa-se, como já devem ter adivinhado, numa pequena vila irlandesa chamada Ardamore e envolve os três irmãos Gallagher: Aidan, Shawn e Darcy. Cada livro conta a história de como cada um dos irmãos descobriu o amor da sua vida e como, no processo, ajudaram ao reencontro de Carrick, o rei dos seres féericos, e Lady Gwen, a sua amada humana.  

Em "As Jóias do Sol", Jude Murray é uma professora americana, devastada pelo fim do seu casamento que decide recomeçar uma nova vida em Ardamore, após ter herdado uma casa nas redondezas. Não tarda a travar amizade com os três Gallaghers, donos do pub local, e uma atracção mútua nasce entre ela e Aidan, o irmão mais velho, que viajara pelo mundo e que voltara para gerir o pub uma vez que os pais deles decidiram fixar-se na América. Jude e Aidan não tardam a consumar a paixão, mas quando Aidan decide que os dois se devem casar, a reacção dela não é a esperada, por diversos motivos. Será que uns diamantes do sol oferecidos por Carrick farão magia?

"As Lágrimas da Lua" centra-se no irmão do meio, Shawn, que tem dois grandes talentos: cozinhar e compor canções. Mas além disso, Shawn é meio distraído e leva a vida sem pensar demasiado nas coisas, como por exemplo, em fazer algo com o seu talento como compositor. Ou no facto de Brenna O'Toole, a sua amiga de sempre, há muito o ver como mais que apenas um amigo. Sendo uma maria-rapaz, bem mais à vontade a consertar máquinas do que a lidar com roupas e maquilhagem, Brenna não sabe como confessar a sua atracção por Shawn. Quando por fim, na posse das pérolas da lua oferecidas por Carrick, ela ganha coragem e lhe propõe uma "amizade colorida", Shawn fica estupefacto e não tarda a perceber que quer mais que uma relação casual. Sabendo da teimosia de Brenna, ele elabora um plano para fazê-la admitir que está apaixonada por ele. Mas as coisas complicam-se porque Mary Kate, uma das irmãs de Brenna, está também interessada em Shawn.

Em "O Coração do Mar", o foco está em Darcy. Bela, sensual, astuta e com grandes dotes musicais, Darcy tem grandes ambições e cedo se apercebe que Trevor Magee, o empresário nova-iorquino que pretende construir um teatro em Ardamore, pode ser a chave para realizar os seus sonhos. Trevor não resiste aos encantos de Darcy, mas quando a relação entre ambos ameaça tornar-se mais séria, ambos ficam sem saber o que fazer e, mesmo com a magia de um rubi colhido do fundo mar, Trevor corre o risco de cometer os mesmos erros que Carrick.

Como já disse, o primeiro livro da trilogia que eu li foi o segundo, "As Lágrimas da Lua" e foi aquele que eu gostei mais, talvez porque me identifique bastante com o protagonista e por achar piada à história da evolução da relação de amizade a atracção sexual a amor e à eterna dinâmica dos extremos opostos. Li depois "As Jóias do Sol" e fiquei com enormes expectativas para "O Coração do Mar", mas este foi o que menos gostei. Ao contrário dos outros livros, neste achei a história da relação entre os protagonistas algo apressada e forçada demais, e sobretudo estava à espera de um final bem mais apoteótico, após tanto ler sobre o amor trágico entre Carrick e Lady Gwen. 
Mas apesar disso, foi um prazer ler estes três livros, plenos de humor, misticismo e sensualidade, que me iniciaram na obra de Nora Roberts. A descrição das paisagens é bastante cativante e fique com vontade de conhecer a Irlanda. 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

"O Anjo Que Queria Pecar" Francisco Salgueiro


Título: O Anjo Que Queria Pecar
Autor: Francisco Salgueiro
Editora: Oficina do Livro

Francisco Salgueiro é um dos meus autores preferidos e já gostava de ler os seus escritos, ainda antes de publicar romances, em publicações como a Guia Telecabo e TeleNotícias. Os seus primeiros livros pautavam pelo humor e pela acção, mas de há uns tempos para cá, a sua obra tem pautado por uma nota mais séria, tendo-se notabilizado sobretudo pelos dois livros da série "O Fim da Inocência", que narram um retrato arrepiante da juventude actual e como ela convive muito proximamente com um cocktail explosivo de sexo, drogas e novas tecnologias. 
Entre os dois tomos de "O Fim da Inocência", Francisco Salgueiro regressou à ficção em 2012 com o romance "O Anjo Que Queria Pecar", que relata um mistério que abalou a Europa nos anos 30, o mistério da Boca do Inferno e o alegado desaparecimento do esoterista Aleister Crowley, considerado o homem mais perigoso do mundo.

Tudo começa quando o narrador (do qual nunca se sabe o nome), um promotor musical radicado há vários anos em Inglaterra, regressa a Portugal e mal aterra depara-se com a notícia da morte de alguém próximo na Boca do Inferno. O protagonista é então arrastado para uma perigosa teia de segredos e vingança que terá tido origem no encontro em Lisboa décadas antes entre Aleister Crowley e Fernando Pessoa. Tendo conhecido Pessoa quando este lhe contactou sobre uns erros num mapa astral, Crowley urdiu uma trama de manipulação e sexo usando como peões Fernando Pessoa e Hanna Jaeger, a jovem alemã que acompanhou o mago até Lisboa. Um plano que acabou por estar intimamente ligado à história da família do protagonista. Ao mesmo tempo que o protagonista, sempre sobre a ameaça de perigo para a sua vida, vai descobrindo mais sobre a ligação entre a sua família, Aleister Crowley e Fernando Pessoa, ele vê-se obrigado a confrontar o seu passado com Mónica, a sua parceira nesta aventura, com quem viveu um namoro na adolescência que acabou de forma dolorosa para ambos.

A leitura de "O Anjo Que Queria Pecar" foi sem dúvida bastante emocionante, por vezes até angustiante, uma vez que os protagonistas passam toda a acção do livro em constante sobressalto. Também achei interessante o retrato de Fernando Pessoa traçado no livro, das perturbações que marcaram profundamente a sua vida e a disparidade entre o homem e o mito. (Sim, é ele o anjo que queria pecar.) Fiquei igualmente impressionado com outro tipos de mitos falados no livro, como um que envolve os Beatles, e como a influência do legado de Aleister Crowley persiste ainda nos dias de hoje. Não sendo o melhor livro que li do autor, creio que talvez seria melhor se existissem mais alguns "espaços para respirar" no meio de tanta acção e tantas revelações mas para quem já leu outros livros de autor, o estilo cúmplice e vibrante que é característico de Francisco Salgueiro está uma vez mais bem presente. 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

"Os 30 - Nada é Como sonhámos" Filipa Fonseca Silva


Título: Os 30 - Nada é Como Sonhámos
Autora: Filipa Fonseca Silva
Editora: Oficina do Livro

"Os 30 - Nada é Como Sonhámos" é o primeiro livro de Filipa Fonseca Silva, editado em 2011, e fez história quando a versão inglesa do livro atingiu o top 100 mundial da Amazon, fazendo dela a primeira autora portuguesa a conseguir tal feito.

A obra fala de um encontro de antigos amigos da faculdade que se reencontra para um jantar. Alguns deles deixaram-se levar pelas ambições e outros tentam ainda desesperadamente agarrar aos seus velhos ideiais. Cada um seguiu depois o seu próprio rumo e enredados nas voltas da vida, parecendo-lhes que da amizade que eles outrora acreditavam inquebrável já pouco resta. Mas ainda assim, para a maioria deles, será uma noite de descobertas e de mudanças.    

A narrativa do livro é feita sobre três pontos de vista. Joana, a menina bem, educada nos preceitos e preconceitos da classe alta, que não poupa a esforços para levar a sério o seu papel da perfeita dona de casa e anfitriã, enquanto no fundo ressente-se das suas ilusões e dos hábitos menos chiques de André, com quem casou. Filipe é o rebelde idealista que critica o facto dos seres amigos terem "vendido" a sua alma para ficarem bem na vida, e como tal é a némesis de Joana. Porém, também ele é prisioneiro das suas desilusões, preso a um trabalho que ele não gosta mas que não tem vontade de deixar e coleccionando relações fortuitas e falhadas, ainda marcado por um amor da adolescência. Maria, depois de uma grande desilusão amorosa, quando o noivo lhe fez uma chocante revelação pouco tempo antes do casamento, viveu algum tempo na Alemanha para recuperar do choque e agora vive triste e acha-se condenada à solidão. 

Trata-se de um livro pequeno, divertido e despretensioso, que se lê rapidamente mas que é certeiro na forma como fala dos ideais e ilusões de toda uma geração. As três perspectivas narradoras do livro são equilibradas, mas não há dúvida que a de Joana prevalece pela forma mordaz como através dela, a autora desconstrói toda uma classe que teima em perpetuar ideias que já deviam ser ultrapassados. Embora diga algumas poucas coisas acertadas, muitas vezes só me apetecia dizer "O quê? Como é que alguém ainda pode pensar ou dizer isso?" e gostei como pelo menos para certos aspectos, ela teve um momento de abre-olhos. Da mesma forma, adorei a evolução de Maria e da surpresa inesperada de Filipe. 

Só pelo que me fez rir, valeu a pena a leitura deste livro.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

"Entre o Agora e o Nunca" J.A. Redmerski



Título: Entre o Agora e o Nunca
Autora: J. A. Redmerski
Editora: Presença

De entre a literatura "young adult", a americana J. A. Redmerski tem-se afirmado como um dos nomes mais promissores e "Entre o Agora e o Nunca", o seu primeiro livro editado em Portugal, foi uma boa surpresa nas minhas leituras em 2014.

A vida de Camryn Bennett, uma jovem de vinte anos, parece cada vez mais deprimente: além de ainda sofrer com o divórcio dos pais e a morte do namorado, o seu irmão está preso e as suas perspectivas futuras após terminar o seu curso são desanimadoras. E para piorar tudo, desentende-se com a melhor amiga Natalie após uma atribulada saída nocturna.
Perante isto, Camryn decide num impulso deixar tudo e entrar num autocarro sem destino concreto. Durante a viagem, Andrew Parrish, um jovem de 25 anos, atraente e divertido, mete conversa com ela e apesar de uma desconfiança inicial, a proximidade e atracção entre ambos vai crescendo. 
Depois de visitarem o pai moribundo de Andrew no Wyomming, os dois decidem continuar a sua viagem através de vários estados americanos, passando por várias situações, algumas divertidas, outras nem por isso. E o amor e o desejo falam mais alto, assim como a dor da incerteza assim que Andrew e Camryn tiverem que se separar. 

O principal mérito de "Entre Agora e o Nunca" é fazer o leitor sentir como companheiro de viagem dos protagonistas e deixá-lo sempre na expectativa sobre o que irá acontecer a seguir, por vezes causando-lhe enorme surpresa. (No final, o leitor leva um valente susto). Embora o livro siga maioritariamente a perspectiva de Camryn, alguns capítulos têm o ponto de vista de Andrew (onde por exemplo, ficamos a saber que a sua intenção de se aproximar dela no autocarro teve um motivo bem mais sério do que simples curiosidade). Apesar de ter achado o Andrew demasiado perfeito e idealizado (até os seus erros e defeitos contribuem para tal), a relação entre os protagonistas é bem construída e as suas emoções e reacções credíveis. A sensualidade e o erotismo também estão bem presentes mas sem serem demasiado preponderantes. Pode-se dizer que o livro ao mesmo tempo mistifica e desmistifica os clichés do romance "young adult".

Apesar de ter gostado imenso da história, confesso que, talvez por já estar na casa dos trinta, não consegui deixar de a ler sem experimentar um certo cinismo e pensar: "Sim, isso dos dois andarem juntos ao sabor do vento, serem livres e fugirem das imposições da sociedade é muito bonito, mas a longo prazo, quero ver como vai ser." Se eu tivesse a idade dos protagonistas, talvez fosse mais fácil admirar mais esses ideais de vida, mas nesta fase da minha vida, já não creio que seja bem assim. Mas pronto, serve perfeitamente para o propósito da história, e se esses ideais não se podem acontecer nos livros, onde é que podem?

Seja como for, estou ansioso pela continuação, "Entre Agora e Sempre" que acaba de ser publicada.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

"O Último Minuto na Vida de S." Miguel Real


Título: O Último Minuto na Vida de S.
Autor: Miguel Real
Editora: Quid Novi

Publicado em 2007, este é um livro que há muito queria ler e quando o vi numa promoção de uma grande superfície a apenas dois euros, fiquei sem desculpas para não o adquirir e ler.

O meu interesse sobre o livro tem que ver por ser sobre uma figura que me tem suscitado grande interesse desde que vi uma reportagem na SIC que lhe foi dedicada: Snu Abecassis. Como é sabido Snu Abecassis era dinamarquesa, de seu verdadeiro nome Ebba Seidenfaden, mas que desde pequena foi alcunhada pela sua família como Snu ("esperta"). Snu veio para Portugal após o seu casamento com Alberto Vasco Abecassis e foi a fundadora da editora Dom Quixote, a qual enfrentou alguns problemas com o Estado Novo, devido ao conteúdo alegadamente de esquerda de algumas das suas publicações. No período pós-revolução, Snu Abecassis iniciou uma relação amorosa com Francisco Sá Carneiro, fundador do PSD e primeiro ministro de Portugal em 1980, tendo ambos falecido em Dezembro desse mesmo ano na sequência da explosão sob Camarate do avião Cessna em que ambos seguiam. 
Devido ao seu fim trágico e abrupto bem como a própria ousadia que constituía a sua relação no Portugal dos anos 70, Snu e Sá Carneiro são tidos como protagonistas da última grande história de amor da história do nosso país. Mesmo antes da tragédia, foram muitos obstáculos que tiveram de enfrentar para ficar juntos, até porque ambos eram casados. Enquanto Snu e Vasco Abecassis se divorciaram, Isabel, esposa de Sá Carneiro, recusou conceder o divórcio e instigou os filhos a cortarem o contacto com o pai, com apenas um deles, Francisco, a ir viver com o pai, Snu e os filhos desta. Para o Portugal da altura, um primeiro-ministro decidir viver com uma mulher que não a sua esposa, ainda para mais sem estar divorciado, seria passível de ser algo condenável pela sociedade, mas o certo é que a relação vingou e Sá Carneiro fazia questão de que a mulher que amava o acompanhasse nos seus actos protocolares e ocupasse a posição prevista para a mulher de um primeiro ministro.    

Apesar do livro se assumir com uma ficção com vários nomes e elementos alterados (por exemplo, a protagonista é sueca e não dinamarquesa), não há dúvida que a voz desta S. que percorre o livro, a recordar os seus anos de vida em Portugal, será a de Snu Abecassis e que o autor Miguel Real, pretendia com esta obra, tentar reproduzir a visão que Snu Abecassis teria sobre Portugal. E sem dúvida que a perspectiva de Snu Abecassis teria de Portugal seria interessantíssima. Eis uma mulher nórdica, culta e crescida numa cultura fria, pragmática e de mente aberta que vem viver para um Portugal em plena ditadura, um país rústico, tacanho e agrilhoado. Suponho que para ela foi como passar do mais evoluído para o mais arcaico dos países e a adaptação tivesse sido tudo menos fácil. E no entanto, estou em crer que apesar de tudo, Portugal teve encantos que conquistaram esta nórdica além dos portugueses que ela amou. Também imagino como seria estranho para os portugueses, inclusivamente as forças do Regime, lidarem com esta mulher alta, loira e culta, que cultivava porém uma imagem austera e imperturbável apesar da sua beleza.

É de tudo isto que Miguel Real aborda em "O Último Minuto na Vida de S." onde a narradora, na iminência da desgraça prestes a acontecer a bordo do avião em que se encontra, recorda a sua vida em Portugal e relembra um país ao mesmo tempo esquecido na contaminação voraz dos costumes europeus mas ao mesmo tempo com certas semelhanças ao país que existe mais de trinta anos depois. É esse o principal mérito desta obra. 

No entanto, existe um aspecto que me impediu de apreciar mais o livro. As frases são demasiado longas, com diversos fragmentos e vírgulas. Só para se ter uma ideia, a primeira frase do livro atravessa treze páginas! Não tenho nada contra essa construção frásica, mas acabou por ser demasiado cansativo estar sempre a ler o livro assim.     

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

"A Peregrinação do Rapaz Sem Cor" Haruki Murakami


Título: A Peregrinação do Rapaz Sem Cor
Autor: Haruki Murakami
Editora: Casa das Letras

O japonês Haruki Murakami é um dos meus autores preferidos e foi com grande expectativa que li este seu mais recente romance, o primeiro depois do mega-épico "1Q84". 
Murakami tem uma escrita límpida e envolvente e apesar do seu ritmo lento, com as personagens a entregarem-se frequentemente a longos pensamentos e reflexões internos, nunca chega a ser aborrecida.

Esta "Peregrinação do Rapaz Sem Cor" pode ser considerada um romance de aprendizagem, e até mesmo de crescimento, apesar do protagonista já não ser assim muito jovem, com os seus trinta e seis anos. O Rapaz Sem Cor é Tsukuru Tazaki, um engenheiro natural de Nagoya que trabalha para os caminhos de ferro de Tóquio, um emprego rotineiro mas que o satisfaz, pois desde pequeno que é fascinado por estações de comboio. Tsukuru é um homem discreto, reservado, taciturno, que se descreve a si mesmo como "sem cor". Apesar disso, inicia uma promissora relação amorosa com Sara, dois anos mais velha que trabalha numa agência de viagens. Por seu turno, Sara é uma mulher independente, pragmática, desembaraçada e perspicaz. 
Pressentindo os complexos do seu namorado, Sara aconselha-o a resolver um dilema que lhe marcou bastante a vida antes que a relação de ambos progrida. Sucede que na sua adolescência em Nagoya, Tsukuru fez parte de um grupo extremamente unido de cinco amigos. Apesar da sua união e da sua felicidade em pertencer a esse círculo, Tsukuru sempre se achou um pouco a destoar do grupo: ao contrário dos outros, ele não se achava dotado de algum talento particular e sobretudo porque os outros tinham apelidos associados a nomes de cores e eram tratados por essas cores e ele não. As raparigas eram conhecidas como Shiro (preto) e Kuro (branco) e os outros dois rapazes como Ao (azul) e Aka (vermelho), daí que Tsukuru tivesse ficado com a ideia que era alguém sem cor.
A amizade entre os cinco ainda resistiu algum tempo depois de Tsukuru ter ido estudar para Tóquio enquanto os outros permaneceram em Nagoya, mas a certa altura, de forma abrupta e sem darem explicações concretas, os outros quatro cortaram relações com ele. Esse episódio afectou profundamente Tsukuru, que durante meses esteve à beira do suicídio e só muito lentamente, refugiando-se nos estudos e estabelecendo uma nova e efémera amizade com um colega é que conseguiu refazer a vida.
Aceitando o conselho de Sara, Tsukuru parte então em busca das respostas às dúvidas que há vários anos o atormentam, regressando até Nagoya e viajando mesmo até à Finlândia, onde actualmente reside Kuro. Mas mais que a verdade sobre o violento corte de relações e os inesperados rumos que as vidas dos seus antigos amigos tomaram, o que mais surpreenderá Tsukuru é a forma como, antes da ruptura, eles o viam e que mudará indelevelmente a forma como ele se vê a si próprio.

Quem estiver interessado em descobrir Haruki Murakami, este pode ser um bom livro para começar (se bem que para tal recomende ainda mais "Norwegian Wood" ou "A Sul da Fronteira, A Leste do Sol"), uma vez que tem uma história bastante simples e os elementos bizarros, típicos da sua obra, são poucos e restringidos a sequências de sonhos e não são essenciais na acção em si. Também nota-se que depois de "1Q84", Murakami pretendia criar uma trama mais escorreita.
Outros temas e elementos típicos do autor estão presentes como a existência de uma música que marca a história (neste caso, "Os Anos da Peregrinação" de Liszt), a culinária japonesa, o desejo sexual reprimido, os preconceitos da sociedade japonesa e como esta é influenciada pela cultura ocidental e um final que deixa várias questões em aberto mas que ao mesmo tempo encerra em si uma certa conclusão.

Além do prazer de regressar ao universo de Murakami, o que mais gostei neste livro foi a forma como aborda os temas da solidão, da amizade e da auto-descoberta. Quem nunca se surpreendeu por descobrir que os outros viam em nós coisas que não conseguimos ver por nós mesmos ou por nos apontarem certas qualidades que nós achamos que não temos? É sempre mais fácil acreditar naquilo que nos apontam de negativo do que nas considerações positivas que nos fazem. Por isso, não há como o leitor não se rever um pouco neste Rapaz Sem Cor.    

"As Primeiras Luzes da Manhã" Fabio Volo


Título: As Primeiras Luzes da Manhã
Autor: Fabio Volo
Editora: Presença

Eis que a minha primeira resenha é sobre um livro de um autor que rapidamente se tornou um dos meus favoritos, o italiano Fabio Volo. É actualmente um dos escritores mais populares do seu país, e além da escrita, também é actor, DJ e radialista. Eu já li três livros de Fabio Volo, sendo que este, "As Primeiras Luzes da Manhã", foi o primeiro e fez-me querer ler mais obras dele.

Quanto à história: Elena é uma mulher à beira dos quarenta anos que se dá conta que é infeliz no seu casamento. Não que Paolo, o seu marido, lhe maltrate mas porque qualquer paixão que existisse entre ambos já há muito esmoreceu e ela ressente-se bastante disso, ao ponto das rotinas e comodismos do seu marido começarem a irritar-na profundamente. Mas o certo é que Elena sempre jogou pelo seguro, tomou os caminhos menos temerários e sente que nunca viveu verdadeiramente a vida.
O ponto de viragem dá-se quando Elena conhece um homem (cujo nome nunca é revelado) através do seu trabalho como executiva na área do marketing e entre ambos nasce uma atracção mútua. Intrigada pelos avanços desse homem cativante e misterioso, Elena entrega-se a uma relação cheia de sensualidade e emoção, onde ela realiza alguns dos seus desejos mais secretos e se liberta de várias frustrações que a atormentavam. Através dessa relação, Elena decide que tem de mudar a sua vida. Terá ela coragem para tal? Como confrontará o marido com o fim do casamento? E estará ela a confundir os sentimentos carnais que experimenta com o amante com algo mais do que isso? 
O livro alterna a narração de Elena entre o flashback e a actualidade, pois o leitor aos poucos vai-se apercebendo que a sua narrativa é em jeito de retrospectiva sobre o que se passou nessa fase da sua vida e passagens do seu diário na altura, onde descrevia as suas frustrações e descobertas.

Este foi um livro bastante envolvente que me prendeu logo às primeiras páginas. O que mais me impressionou na escrita do autor foi o seu profundo conhecimento sobre o universo feminino, ao ponto de às vezes até me custar um pouco a acreditar que tinha sido um homem a escrever isso, tal a forma credível como é descrito todo o turbilhão de emoções e sensações que a protagonista atravessa. Existe uma boa dose de sensualidade e erotismo, mas não de forma demasiado explícita ou gratuita e sempre com enorme sensibilidade.    
      
O único ponto negativo é ser tão centrado na personagem principal que fica-se a saber insuficientemente sobre as outras personagens. Como o livro é todo sobre o ponto de vista de Elena, tudo o que sabemos sobre as outras personagens é apenas através da sua perspectiva, que a própria por vezes admite que nem sempre era a mais lúcida, alterada pelas suas emoções. Por exemplo, será que Paolo seria assim tão chato e banana como ela o pintava na altura? E eu gostaria de ter sabido mais sobre a rebeldia do seu cunhado Simone, o que levou à semi-reclusão da sua melhor amiga Carla ou sobre o passado do amante e a sua auto-declarada incapacidade para relações sérias.

Mas fora isso, "As Primeiras Luzes da Manhã" é um livro a descobrir, bem como ao autor.


Motivos Para Um Novo Blogue

Olá a todos.

O meu nome é Paulo Neto e adoro ler. Desde que aprendi a ler que o faço avidamente.
Comecei desde pequenino com as bandas desenhadas da Disney e da Turma da Mónica e um ou outro livro infantil, seguindo-se depois a Colecção Azul do Círculo de Leitores onde descobri os livros da Condessa de Ségur e outros títulos clássicos como "Mulherzinhas" de Louisa May Alcott, "Agnes Grey" de Anne Bronte e "Capitães Corajosos" de Rudyard Kipling.
Durante o meu curso de Línguas e Literaturas Modernas, tomei contacto com autores como Flaubert, Shakespeare, Zola, Balzac, John dos Passos e John Updike.

Admito que os meus gostos literários não são dos mais eruditos e que tendo a ler mais para nomes "ditos" comerciais. Mas acho que é injusto menorizar essa vertente pois ela contém, tal como tudo na arte e na vida, bons e maus exemplos.

Eu próprio escrevi um livro, "Motivos Para Sorrir", publicado em 2013 pela Chiado Editora, naquele que foi o realizar de um grande sonho. Como se pode concluir é do título do meu livro que vem o nome para este blogue "Motivos Para Ler", onde pretendo falar dos livros que ando actualmente a ler e recordar alguns que eu li no passado. Importa referir que não pretendo dar avaliações quantitativas, pelo que darei apenas a minha opinião, negativa ou positiva, através daquilo que escrever.

Além deste blogue, tenho outro, intitulado "Estou-me nas Tintas" onde escrevo pequenos textos, contos e poemas e colaboro activamente no blogue "Enciclopédia de Cromos" onde partilho as minhas memórias sobre vários cromos dos anos 80 e 90 (e agora também dos primeiros anos do século XXI). Os links para esses blogues e para saberem mais sobre o meu livro estão aqui ao lado, e podem seguir-me também na minha página oficial do Facebook.

Espero que gostem!