terça-feira, 17 de novembro de 2015

"Lágrima" André Pereira


Título: Lágrima
Autor: André Pereira
Editora: Chiado Editora

Esta é a minha resenha que resulta da parceria deste blogue com a Chiado Editora, que me amavelmente cederam-me um exemplar deste livro. Pelo que pude apurar, é o segundo livro de André Pereira, um escritor natural de Leiria, que em 2014 publicara "Pequenas Estórias de Muitas Vidas", que como o nome indica, é uma colecção de pequenas histórias, pelo que "Lágrima" é o seu primeiro romance.

Não sabia o que esperar deste livro, a sinopse era interessante mas não revelava muito, mas a verdade é que gostei bastante.

A história de "Lágrima" é bastante simples: numa aldeia pequena como tantas espalhadas por esse Portugal fora, Tomás falece após ter vivido doze anos penosos, marcados pela sua debilidade física e mental, pelo desprezo e indiferença dos outros e pela deterioração do outrora apaixonado casamento dos seus pais. Após a sua morte, os pais, Clara e Afonso reagem de maneiras diferentes: como esperado, Clara, a mãe, chora e cai numa espiral de sofrimento, depressão e descrença; já o pai, Afonso, para surpresa de todos, incluindo ele próprio, começa a rir durante o enterro do filho. Transtornado por sentir essa bizarra felicidade quando deveria - e queria - sentir a tristeza de perder um filho, e repudiado por todos na aldeia devido a essa reacção, Afonso deixa tudo em busca da tristeza que não sente. Tanto o caminho de Clara de regresso à vida, como de Afonso em busca de redenção, será duro e tortuoso e só terminará quando, de uma maneira inesperada, os caminhos de ambos voltarem a se cruzar.

Apesar da escrita e a estrutura não serem as mais convencionais, a verdade é que "Lágrima" foi uma leitura bastante fluída, com um ritmo consistente e sem passagens supérfluas. Cada frase, por mais inesperada que seja, tem a sua razão de ser no livro e uma razão para ter aquela construção. 

Mas o principal mérito de "Lágrima" é conseguir, na simplicidade da sua história, capturar todo um microcosmos como tantos que existem pelo país fora: as suas paixões, as suas raivas, os velhos rancores, as discriminações, os julgamentos pelas aparências e pelo superficial, a velha preocupação sobre aquilo que os outros vão pensar, a condenação dos vícios públicos, a vista grossa ao vícios privados e as mentalidade que só muito lentamente vão evoluindo. Tem graça como a história tanto parece passar há umas décadas atrás como não custaria muito a crer se tivesse lugar na actualidade.   

Gostei muito de descobrir este livro e espero vir a ler mais coisas do seu autor. 

terça-feira, 3 de novembro de 2015

"Doces Aromas" Agnès Desarthe


Título: Doces Aromas
Autora: Agnès Desarthe
Editora: ASA

Descobri este livro por acaso numa promoção do Continente que tinha alguns livros a cinco euros. Por algum motivo, dentro das pilhas, este foi aquele que mais me chamou a atenção. Trata-se de um livro da francesa Agnès Desarthe, originalmente publicado em 2006 com o título "Mangez-moi".

Depois de ter trabalhado alguns anos como cozinheira num circo, Myriam decide abrir um pequeno restaurante num bairro típico de Paris. O restaurante chama-se "Chez Moi", porque é literalmente a casa dela, já que ela também dorme e toma banho lá. Mesmo sem saber nada sobre o que significa ter um negócio e confiando apenas no seu talento para cozinhar, o restaurante de Myriam vai aos poucos conhecendo o sucesso e com isso, algumas pessoas acabam por entrar na vida dela: Vincent, o sisudo florista, Ben, o jovem órfão que se oferece para a ajudar no restaurante, Hannah e Simone, duas estudantes de filosofia. Ao mesmo tempo, Myriam vai desvendando ao leitor as dolorosas memórias do passado: a constante tensão na relação com o marido, a complicada ligação afectiva com o filho e alguém que lança um armadilha que a levou a cometer um erro que a afastou da família e que levará muito tempo a expiar. Porém, através dos pratos que confecciona no restaurante, dos novos amigos que faz e o renascer de uma amizade antiga que se transforma em algo mais, Myriam conseguirá traçar o seu rumo até à redenção.

No geral, esta foi uma leitura simpática. Achei que por vezes, a narrativa (escrita na primeira pessoa na perspectiva de Myriam) tornava-se demasiado floreada e se calhar teria sido mais eficaz se fosse um bocadinho mais fluída e direita ao assunto. Também algumas das ligações da Myriam com outras personagens pareceram-me algo forçadas e careceram de alguma profundidade. Outro factor algo decepcionante foi que à medida que avança, a parte culinária da história vai sendo menos presente, a não ser numa das cenas finais. Ao princípio, Myriam narra extensivamente o que está a cozinhar mas depois só a espaços é que faz isso.

No entanto, gostei bastante da Myriam, da sua vulnerabilidade, da sua sinceridade e até dos seus defeitos. Consegui compreender como se deixou arrastar para o grave erro que imprudentemente cometeu, as suas hesitações e desconfianças para com as novas pessoas que entram na sua vida devido ao restaurante, a sua dicotomia entre o conforto da solidão e a necessidade de se dar aos outros, e só por isso, valeu a pena descobrir este livro.