segunda-feira, 30 de março de 2015

"Filhos da Costa do Sol" Manuel Arouca


Título: Filhos da Costa do Sol
Autor: Manuel Arouca
Editora: Oficina do Livro

Manuel Arouca, além de romancista, também é conhecido como argumentista para televisão, sendo autor de programas como a série "Os Homens da Segurança" e a telenovela "Jardins Proibidos" (a original). Editado em 1984, "Filhos da Costa do Sol" foi o seu primeiro romance e tornou-se um dos maiores best-sellers nacionais da década. O livro foi reeditado pela Oficina do Livro em 2002 e 2013, e em 2014, saiu a sua sequela "Filhos da Costa do Sol - A Nova Geração".

O livro desenha um retrato da juventude inquieta que atravessou os últimos anos do Estado Novo e o período após o 25 de Abril, através de Francisco Guimarães, mais conhecido por Chico, para quem estes anos loucos da década de 70 trarão duras lições de vida. 

O romance está dividido entre duas partes. Na primeira, Chico é um rapaz indolente da Costa do Estoril, sem nenhum interesse para os estudos, bem mais interessado em estar com os amigos, sair à noite e engatar turistas estrangeiras. Sempre ao seu lado nessas peripécias, está o seu melhor amigo Luís, que ao contrário de Chico, essa vida não lhe parece afectar o rendimento escolar. 
Quando chega a Revolução, Luís trabalha no Hotel Brasil, para o qual revela uma inesperada habilidade, sem que isso o faça dedicar-se menos aos engates. Nos primeiros meses da revolução, chega mesmo a liderar o movimento reivindicativo dos empregados do hotel. 

É um Chico diferente que surge na segunda parte do livro, que começa em 1976. Depois de uma temporada passada no estrangeiro, Chico regressa a uma Costa do Estoril que ele mal reconhece, perdida entre os velhos e os novos valores da sociedade e onde o sexo e a droga estão bem presentes. É aí que Chico reencontra Marta, uma antiga colega de escola e um ex-menina "bem" da elite de Cascais que se perdeu no turbilhão de mudanças no país e na desintegração da sua família e mergulhou no mundo das drogas. Marta e Chico apaixonam-se e esse amor leva-a a libertar-se das drogas. Porém, ao querer traçar um rumo para a vida dos dois, Chico descobre as dificuldades do mercado de trabalho e a hipocrisia reinante. Mas será a fragilidade de Marta, tão tenuemente presa pela relação de ambos, que ditará um fim trágico a esta história de amor. 

Tenho que dizer que a segunda parte do livro foi bem mais interessante de seguir, não só porque o romance de Chico e de Marta acabam por ser o tema mais marcante, como o Chico desta parte é muito mais maduro, sensato e com uma visão cheia de discernimento que aquele da primeira parte. Aliás, a primeira parte para mim foi algo difícil de atravessar, pois era bem mais difícil criar empatia com o Chico adolescente indolente e incipiente. Mesmo quando alinha na revolta dos empregados do hotel, parece fazê-lo mais por diversão do que por convicção.  Tal é a diferença entre e um outro que eu fiquei interessado em saber mais sobre o período que separa as duas partes do livro.
Também devo dizer que não gostei muito da Marta. Por muito que os seus traumas e desilusões possam justificar as suas atitudes, achei-a demasiado invertebrada, sem vontade própria e dependente de Chico. 

Mas no geral, "Filhos da Costa do Sol" foi uma leitura interessante, até porque como faço anos a 25 de Abril, interesso-me bastante sobre a história de Portugal no período pós-revolução e em como afectou o cidadão comum, menos interessado em política do que em seguir com a sua vida.  


domingo, 15 de março de 2015

"Esteja Eu Onde Estiver" Romana Petri


Título: Esteja Eu Onde Estiver
Autora: Romana Petri
Editora: Bertrand

É curioso quando um autor estrangeiro se interessa pela história de Portugal, como foi o caso de Romana Petri que no seu livro "Esteja Eu Onde Estiver" percorre o século XX português dos anos 40 até à actualidade. Através do percurso das três protagonistas, recordamos um povo que durante tanto tempo esteve forçado ao silêncio para por fim encontrar a coragem de conquistar a liberdade.

São três as mulheres que fazem parte desta saga que têm em comum o facto o sofrimento causado pelos homens que amaram.  
Margarida, uma jovem humilde e sofredora, porém sempre positiva cujo destino ficará tragicamente marcado quando se apaixona por Carlos, apenas para se decepcionar com ele, pois não só ele é casado como está de partida para América, deixando-a sozinha e grávida de Maria do Céu. Custódia é uma mulher algo azeda que se deixa levar pela corte do bem-falante Belmiro. Porém logo após o casamento de ambos, é confrontada pelo desprezo do marido, agravado pelas mal-disfarçadas traições deste e pela infertilidade da união. Após a morte de Margarida, Custódia e Belmiro acolhem Maria do Céu como a filha que sempre quiseram ter. Porém Maria do Céu revela-se um espírito indomável e apesar da sua gratidão para com os padrinhos, nunca os encarará como pais. Mas apesar de tudo, também ela se decepcionará com o homem por quem ele se apaixona, Tiago, que a tinha encantado pela sua luta anti-regime mas que se revela um homem fraco e conformista. As filhas de Maria do Céu, Rita e Joana, serão marcadas pela tragédia, uma pela doença, outra pelos problemas psicológicos. Caberá ao filho varão Vasco aprender com as duras lições das mulheres da sua família e traçar o seu próprio rumo à felicidade. 

Nota-se que Romana Petri fez um grande estudo e tem um bom conhecimento sobre a sociedade portuguesa, pois o livro é um fresco bastante fiel dos costumes e mentalidades do nossos país ao longo do século XX. Sobretudo como a sociedade era tão cruel para com as mulheres, a quem tudo era reprovado, enquanto para os homens tudo era permitido. Por exemplo, Custódia é culpabilizada por todos pela esterilidade do casamento quando existem fortes indícios que o problema fosse de Belmiro.

Apesar de ser uma história intrinsecamente trágica, não achei uma leitura demasiado pesada, até porque a autora consegue inserir alguns momentos mais descontraídos e até humorísticos de permeio, embora seja uma pena saber que as três protagonistas não alcançam a felicidade. Duas outras personagens femininas também se destacaram para mim: Violeta, a irmã inválida de Belmiro, como tal vista como pouco mais que bicho por quase todos, mas que se revela bastante dinâmica e lúcida e Maria José, a divertidamente bronca peixeira que se torna a amante oficial de Belmiro.

Mas acima de tudo, a leitura de "Esteja Eu Onde Estiver" fez-me uma vez mais aperceber-me, que apesar de alguns factores que teimam em persistir quando já era tempo de serem erradicados, Portugal percorreu um longo e penoso caminho para conquistar a liberdade.          

segunda-feira, 9 de março de 2015

"Entre o Agora e o Sempre" J.A. Redmerski


Título: Entre o Agora e o Sempre
Autora: J.A. Redmerski
Editora: Presença

Uma das minhas leituras mais aguardadas de 2015 era "Entre o Agora e o Sempre", a continuação de "Entre o Agora e o Nunca" da autora J.A. Redmerski. Apesar de ter bastante curiosidade em ler este livro, confesso que tinha as minhas reservas. Primeiro porque achava que talvez uma continuação não fosse necessário, que o primeiro livro valia bem por si só, terminando onde termina. Depois, porque achei que os pontos que achei menos positivos no livros iriam ser mais exacerbados, sobretudo o idealismo dos protagonistas. De certa forma isso acontece, mas ainda assim foi mais uma vez uma óptima leitura e gostei muito de regressar a personagens tão marcantes como a Camryn e o Andrew.

"Entre Agora e o Sempre" começa uns meses depois do fim de "Entre o Agora e o Nunca". Camryn Bennett e Andrew Parrish continuam no Texas juntos e à espera do filho de ambos. Porém, Camryn não se sente completamente à vontade com o rumo que as vidas de ambos parecem tomar e receia que eles acabem por ceder às convenções sociais que ambos rejeitam. Por isso, decide voltar com Andrew à sua cidade natal, Raleigh na Carolina do Norte, para matar saudades da sua mãe e da sua melhor amiga Natalie com quem voltou a entender-se. Mas é aí que acontece uma tragédia, que deixa Camryn num estado de profunda dilaceração, apesar de querer demonstrar que está bem. Mas Andrew não se deixa enganar e após outro susto, ele propõe a Camryn que façam uma nova viagem sem destino. Ao longo da viagem, Camryn vê-se obrigada a enfrentar os demónios que ainda a assaltam e ambos passarão novas provações que testarão o amor que os une. Será que o fim da viagem será um novo princípio para ambos?

Como eu já disso, mais uma vez aquilo que menos gostei no livro anterior, surge um pouco mais intensificados no segundo livro. Mais uma vez, com a idade que eu tenho, não consegui deixar os ideais dos protagonistas um bocado utópicos demais e apenas exequíveis por eles terem a capacidade financeira que muitas, senão a maioria, das pessoas não terão. Também continuo a achar que o Andrew é perfeito demais, todo ele só grandes qualidades e ligeiríssimos defeitos, ao passo que a Camryn é fascinante sobretudo pelas suas fraquezas e falhas que a tornam intrinsecamente humana.
Além disso, também achei o final demasiado apressado, com bastantes saltos cronológicos e apesar de gostar do epílogo, não sei se este era absolutamente necessário.      

Ainda assim, e apesar de preferir o primeiro livro, também gostei imenso de "Entre Agora e o Sempre". Voltei a apreciar a escrita da autora, a construção das personagens (aqui existe um maior equilíbrio entre os pontos de vista de Camryn e Andrew) e o ritmo vivo, que põe o leitor na expectativa naquilo que estará para acontecer. E até a Natalie, que tanto me irritou no primeiro livro, tem aqui a sua redenção. Foi portanto um feliz reencontro com estas personagens que tanto me cativaram no livro anterior.   

quarta-feira, 4 de março de 2015

"O Dia Que Faltava" Fabio Volo


Título: O Dia Que Faltava
Autor: Fabio Volo
Editora: Presença

Volto a falar de mais um livro do autor italiano Fabio Volo, desta vez "O Dia Que Faltava". 

O livro fala de Giacomo, um homem que sempre viveu um pouco à deriva, marcado pela separação dos pais em criança. Afectado pela ausência do pai e pela sobreprotecção da mãe, ele nunca soube bem como medir as suas emoções. Apesar de viver rodeado de mulheres, desde a mãe e a avó às suas diversas conquistas, elas foram sempre um mistério para Giacomo. Outra mulher constante na sua vida é Silvia, com quem mantém  uma amizade duradoura e de quem é confidente dos problemas familiares que ela atravessa. Todas as manhãs no eléctrico do caminho para o trabalho, Giacomo passa a trocar olhares de interesse com uma bela desconhecida, um jogo onde ambos hesitam em dar o passo seguinte. Por fim, a desconhecida, de nome Michela, convida-lhe para um café onde lhe anuncia que no dia seguinte vai-se mudar para Nova Iorque e desafia-o a ir ter com ela num futuro próximo. Encorajado por Silvia e apesar de um mal-entendido, Giacomo decide uns tempos depois ir ter com Michela. Ao longo da semana juntos, Michela propõe-lhe um jogo para viverem intensamente o romance ao longo desses dias. Porém, uma má notícia interrompe o idílio e fá-los confrontar com a realidade.
No final temos Giacomo à espera de Michela em Paris, conforme uma última promessa feita em Nova Iorque. Será que Michela virá?

Mais uma vez, Fabio Volo escreve num registo que cria um clima de confidência com o leitor. A história é apresentada pela perspectiva de Giacomo, que nada nos oculta sobre ele: as suas qualidades, os seus defeitos, pormenores da sua intimidade (incluindo sexuais e até mesmo escatológicos), os seus medos e manias e a sua forma de amar e de seduzir. A intimidade que o leitor estabelece com Giacomo é tal que não deixamos de simpatizar com ele, apesar das suas falhas e dos seus aspectos menos agradáveis. Ou se calhar, talvez mesmo por isso.

Em comparação com o livro do autor que eu li anteriormente, "As Primeiras Luzes da Manhã", não achei este livro tão envolvente e tão emocionante. Mas em compensação, "O Dia Que Faltava" tem precisamente aquilo que achei que faltava no outro livro: uma noção mais nítida das outras personagens. Apesar do livro ser todo no ponto de vista de Giacomo, creio que fiquei com uma boa noção de como eram as outras personagens, em especial Michela e Silvia. Através delas, voltei a sentir a sensibilidade e o conhecimento de Fabio Volo sobre o universo feminino que tanto me impressionou no outro livro. 
Outro ponto que me fez gostar do livro foi da forma como me fez pensar nas relações humanas e como estas têm evoluído tanto apenas de uma geração para a outra. Giacomo, Michela e Silvia não se revêem nas convenções seguidas e defendidas pelos seus pais sobre o amor, o casamento e a condição feminina. Uma ideia expressa por Michela fez-me reflectir: não será mais honesto e realista viver uma relação amorosa fazendo promessas por um tempo determinado, sujeitas a uma possível renovação conforme o desenvolvimento dos sentimentos?