segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

"A Peregrinação do Rapaz Sem Cor" Haruki Murakami


Título: A Peregrinação do Rapaz Sem Cor
Autor: Haruki Murakami
Editora: Casa das Letras

O japonês Haruki Murakami é um dos meus autores preferidos e foi com grande expectativa que li este seu mais recente romance, o primeiro depois do mega-épico "1Q84". 
Murakami tem uma escrita límpida e envolvente e apesar do seu ritmo lento, com as personagens a entregarem-se frequentemente a longos pensamentos e reflexões internos, nunca chega a ser aborrecida.

Esta "Peregrinação do Rapaz Sem Cor" pode ser considerada um romance de aprendizagem, e até mesmo de crescimento, apesar do protagonista já não ser assim muito jovem, com os seus trinta e seis anos. O Rapaz Sem Cor é Tsukuru Tazaki, um engenheiro natural de Nagoya que trabalha para os caminhos de ferro de Tóquio, um emprego rotineiro mas que o satisfaz, pois desde pequeno que é fascinado por estações de comboio. Tsukuru é um homem discreto, reservado, taciturno, que se descreve a si mesmo como "sem cor". Apesar disso, inicia uma promissora relação amorosa com Sara, dois anos mais velha que trabalha numa agência de viagens. Por seu turno, Sara é uma mulher independente, pragmática, desembaraçada e perspicaz. 
Pressentindo os complexos do seu namorado, Sara aconselha-o a resolver um dilema que lhe marcou bastante a vida antes que a relação de ambos progrida. Sucede que na sua adolescência em Nagoya, Tsukuru fez parte de um grupo extremamente unido de cinco amigos. Apesar da sua união e da sua felicidade em pertencer a esse círculo, Tsukuru sempre se achou um pouco a destoar do grupo: ao contrário dos outros, ele não se achava dotado de algum talento particular e sobretudo porque os outros tinham apelidos associados a nomes de cores e eram tratados por essas cores e ele não. As raparigas eram conhecidas como Shiro (preto) e Kuro (branco) e os outros dois rapazes como Ao (azul) e Aka (vermelho), daí que Tsukuru tivesse ficado com a ideia que era alguém sem cor.
A amizade entre os cinco ainda resistiu algum tempo depois de Tsukuru ter ido estudar para Tóquio enquanto os outros permaneceram em Nagoya, mas a certa altura, de forma abrupta e sem darem explicações concretas, os outros quatro cortaram relações com ele. Esse episódio afectou profundamente Tsukuru, que durante meses esteve à beira do suicídio e só muito lentamente, refugiando-se nos estudos e estabelecendo uma nova e efémera amizade com um colega é que conseguiu refazer a vida.
Aceitando o conselho de Sara, Tsukuru parte então em busca das respostas às dúvidas que há vários anos o atormentam, regressando até Nagoya e viajando mesmo até à Finlândia, onde actualmente reside Kuro. Mas mais que a verdade sobre o violento corte de relações e os inesperados rumos que as vidas dos seus antigos amigos tomaram, o que mais surpreenderá Tsukuru é a forma como, antes da ruptura, eles o viam e que mudará indelevelmente a forma como ele se vê a si próprio.

Quem estiver interessado em descobrir Haruki Murakami, este pode ser um bom livro para começar (se bem que para tal recomende ainda mais "Norwegian Wood" ou "A Sul da Fronteira, A Leste do Sol"), uma vez que tem uma história bastante simples e os elementos bizarros, típicos da sua obra, são poucos e restringidos a sequências de sonhos e não são essenciais na acção em si. Também nota-se que depois de "1Q84", Murakami pretendia criar uma trama mais escorreita.
Outros temas e elementos típicos do autor estão presentes como a existência de uma música que marca a história (neste caso, "Os Anos da Peregrinação" de Liszt), a culinária japonesa, o desejo sexual reprimido, os preconceitos da sociedade japonesa e como esta é influenciada pela cultura ocidental e um final que deixa várias questões em aberto mas que ao mesmo tempo encerra em si uma certa conclusão.

Além do prazer de regressar ao universo de Murakami, o que mais gostei neste livro foi a forma como aborda os temas da solidão, da amizade e da auto-descoberta. Quem nunca se surpreendeu por descobrir que os outros viam em nós coisas que não conseguimos ver por nós mesmos ou por nos apontarem certas qualidades que nós achamos que não temos? É sempre mais fácil acreditar naquilo que nos apontam de negativo do que nas considerações positivas que nos fazem. Por isso, não há como o leitor não se rever um pouco neste Rapaz Sem Cor.    

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